Recentemente, a OMS (Organização Mundial da Saúde) reconheceu a síndrome de burnout como doença ocupacional, caracterizada como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. Com isso, trabalhadores acometidos pela doença ganham um argumento a mais em pedidos de afastamento pelo INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) ou de reparação pela empresa na Justiça do Trabalho.
Nova posição da OMS servirá para reforçar, no decorrer de processos ou perícias trabalhistas, a associação entre ambiente tóxico de trabalho e prejuízos psíquicos.
Desde que bem documentadas, poderão ser caracterizadas como causadores da doença do trabalho a pressão por cumprimentos de metas abusivas, ameaças frequentes de dispensa, assédio e outras práticas.
A advogada trabalhista Gabriela Lock, do escritório Baptista Luz Advogados, diz que, com a mudança, a síndrome de burnout terá uma CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde) específica. Hoje, quem sofre da doença acaba tendo que recorrer à CID de outras doenças, como a depressão.
Entenda mais sobre a doença e veja abaixo os efeitos práticos da mudança para o trabalhador.
O que é a síndrome de burnout
A síndrome de burnout é resultante do estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi gerenciado com sucesso. Segundo especialistas, a doença psíquica está associada à exaustão que acontece de forma prolongada.
Tem como características:
- sentimentos de exaustão ou esgotamento de energia
- aumento do distanciamento mental do trabalho
- sentimentos negativos relacionados ao próprio trabalho
- redução da eficácia profissional
- sintomas como depressão, ansiedade, irritabilidade, baixa autoestima e dificuldade de concentração
Como comprovar que tem a doença
Entre os documentos necessários para dar entrada na perícia médica estão: laudo e relatório médico fundamentado, no qual o médico deverá descrever sintomas, fatores que desencadearam o problema de saúde e ainda inserir o número da CID corretamente, além da documentação pessoal e profissional.
Essa avaliação deve ser feita pelo médico e psicólogo do paciente. Eles deverão emitir os laudos detalhando o problema e informando o período de afastamento do trabalho.
Com até 15 dias de ausência, o salário é mantido pela empresa. Se o período for superior a 15 dias, o trabalhador poderá dar entrada no auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, dependendo do caso. O pedido de benefício é igual aos demais casos de doença ou acidente. O profissional deverá agendar a perícia médica do INSS para confirmar a condição de saúde.
Se necessário mover uma ação na Justiça, os mesmos documentos deverão ser reunidos.
Quais os direitos do trabalhador
Estabilidade
Comprovada a doença, o trabalhador afastado pelo INSS terá direito a estabilidade no trabalho, ou seja, não poderá ser demitido por 12 meses. Caso o acordo coletivo de trabalho da sua categoria estabeleça um tempo maior de estabilidade, vale o que estiver no acordo. Durante o período, o funcionário afastado segue tendo direito ao depósito do FGTS pela empresa.
Auxílio-doença
O auxílio-doença é um benefício garantido pelo INSS aos segurados impedidos de trabalhar por acidente ou doença. Existem dois tipos: o previdenciário, quando o problema de saúde não está diretamente ligado às atividades desenvolvidas no trabalho, e o acidentário, quanto está. É nesse último caso que se encaixa a síndrome de burnout.
O benefício corresponde a 50% do valor da aposentadoria por incapacidade permanente, que varia de pessoa para pessoa. Não existe prazo definido para o trabalhador receber, isso vai variar confirme a gravidade de cada caso. O INSS marca avaliações periódicas para definir se o empregado segue incapaz de executar seu trabalho.
Aposentadoria por invalidez
Caso peritos do INSS considerem que o caso é grave e que o profissional não recuperou a capacidade de trabalhar, ele terá direito à aposentadoria por invalidez. O beneficiário passará por avaliações periódicas para confirmar a persistência do problema de saúde. A aposentadoria por invalidez pode ser suspensa caso o trabalhador se recupere. O cálculo do valor do benefício depende de fatores como o seu salário e as contribuições feitas ao INSS ao longo da vida.
Reparação na Justiça
Juliana Bracks, advogada trabalhista e professora da FGV-Rio (Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro), afirma que o trabalhador pode também buscar reparação na Justiça, cobrando danos morais e ressarcimento de gastos médicos, caso tenha tido sequela da doença ou prejuízo à sua vida pessoal e profissional.
Segundo ela, esse tipo de ação contra empresas já é possível hoje, mas o reconhecimento pela OMS de que a síndrome de burnout é uma doença frequente em contexto profissionais nocivos e tóxicos pode ajudar sendo mais um elemento de prova.
Posicionamento da OMS não garante vitória do trabalhador
O posicionamento da OMS vai funcionar como uma orientação para facilitar que médicos, peritos do INSS e médicos peritos judiciais reconheçam a relação de causa e efeito entre o ambiente de trabalho no indivíduo e a síndrome de burnout, segundo Bracks.
Mas, para a coordenadora do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), Joseane Zanardi, a doença continuará sendo tratada de forma subjetiva e as decisões dependerão do entendimento sobre os documentos reunidos. Na prática, isso dificultaria a responsabilização de empresas em processos trabalhistas.
Gabriela Lock, do escritório Baptista Luz Advogados, diz que a capacitação dos peritos é outro problema na Justiça do Trabalho. “É um diagnóstico complexo, por ser uma doença psíquica. Corremos o risco de ter uma judicialização de todas as eventuais mazelas psíquicas ou meros desgostos dentro do ambiente de trabalho, e isso cair numa vala comum no burnout. Não temos um corpo médico na Justiça qualificado e especializado nisso. Hoje temos perícias psíquicas sendo conduzidas por médicos ortopedistas”, disse.
Governo precisa definir regras, diz especialista
Lock afirma que os Ministérios da Saúde e do Trabalho ainda precisarão se manifestar sobre o reconhecimento da doença para definir regras sobre o afastamento pelo INSS e evitar insegurança jurídica.
É necessário definir, por exemplo, se o próprio empregado pode apresentar um laudo de médico particular diagnosticando a síndrome de burnout e se a empresa será obrigada a aceitar esse atestado, diz.